quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um disco / Neil Young



Neil Young é um transgressor comportado. De veia country, trazida lá dos tempos do Crosby, Still, Nash & Young, se lançou à carreira solo com a autonomia de um mestre - título que seria reivindicado por fãs, crítica e colegas. Singelo, seus discos tinham a sutileza do seu semblante quieto, calmo, por vezes até de expressão agressiva, mas que na verdade guardava um homem compenetrado no que criava. E as criações eram das mais diversas, de violões e gaitas até as guitarras mais pesadas, de letras fortes, de protesto ou românticas, atingiu com a transgressão dentro de sua própria obra mais do que esperava: de mestre, passou a único. E como todo mestre único tem sua pérola, Neil Young poderia ter quase toda a discografia citada nesse rótulo. A meu ver, Harvest Moon é a síntese melodiosa e acústica de um gênio.

Se pudesse ser transcrito em um bordão, o disco poderia ser "de chorar no cantinho". Pela beleza - e simplicidade - dos acordes, pelo lirismo das palavras cantadas, pela junção de emoção e métrica das composições e... bom, dá realmente vontade de chorar no cantinho. A melancolia bonita de From Hank to Hendrix dá o tom resumido do disco inteiro, com a gaita do mestre fazendo as vezes de refrão e solo, deixando a base para violões cadenciados em uníssono. Perfeita. A faixa de abertura, no entanto, não fica atrás, com o coro feminino ajudando Unknown legend a se tornar um carro-chefe de respeito. Harvest moon, a que dá nome ao disco, mereceu o status de hit, sem ser: uma música lenta, que até mesmo o mais desavisado que nunca ouviu sai assoviando já no segunda estrofe. O embalo estilo anos 50/60 deixam a audição leve, gostosa de ouvir tanto numa rede na sacada quanto a dois, em frente à uma lareira - ou em algum lugar menos óbvio e mais romântico. É mais uma das canções de Neil Young a Peggy, a esposa, que recebe as dedicatórias em todos os seus discos. Se ela é a inspiração de tudo, merece.You and me tem o mesmo princípio em tudo, mas mais indicada a serenata. Há espaço ainda para protesto - ainda que só a batida seja mais pesada que as outras canções: War of man cumpre o papel de não esquecermos que o que estamos ouvindo é transgressor dele mesmo, que vai da dedicatória juvenil e carinhosa às declarações abertas de repúdio às guerras - e quem as cause. Old king também destoa um pouco do total, uma legítima countrysong bem-humorada, contrastando com as palavras mais duras de War of Man.

Mas não se engane. Harvest moon é, primordialmente, um disco acústico, calmo e fácil de ouvir. Prova disso é seu final longo em Natural Beauty, gravada ao vivo como se fosse num acampamento com amigos, e que expõe o ideario do disco em uma única canção. Bom mesmo é ouvir a dezena inteira, deixando o repeat do seu aparelho ligado até você decidir que chega. Não se espante se isso demorar.

Luciano Seade



Neil Young
Harvest Moon

1) Unknown Legend
2) From Hank to Hendrix
3) You and Me
4) Harvest Moon
5) War of Man
6) One of These Days
7) Such a Woman
8) Old King
9) Dreamin' Man
10) Natural Beauty (live)
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário