terça-feira, 14 de setembro de 2010

Um disco

Inaugura-se mais uma seção aqui no site do Conexão Musical: UM DISCO, resenha crítica de (adivinhe) um disco que esse humilde apresentador/jornalista acha que vocês, caros leitores, devem e merecem ouvir. Antes que me julguem - mas fiquem à vontade para isso também - não, não sou muito fã de listas, porém vejo o valor delas no universo como um facilitador para iniciantes e afoitos por mais conhecimento. Por exemplo: estou lendo aquele livro "1001 discos para ouvir antes de morrer", e fiquei feliz que vários são os mesmos que enfeitam minha prateleira de casa. Outros, não concordo de estarem ali. Mas muitos outros, desconheço, ou o disco em si, ou a banda a li apresentada.

É com essa desculpa, então, que inicio eu mesmo uma celebração à boa música e uma homenagem ao conceito de "disco", de ter uma coleção de músicas do artista como pensado originalmente, para figurarem ali, juntas, naquela ordem - e lá no início dos tempos do rock, no lado A e no lado B, e desta seleção de músicas ter um rosto, uma capa.

Mas a grande dúvida que pairou no fim foi, sem dúvida, a de QUAL disco iniciar. A ordem de preferidos muda constantemente na minha cabeça, mas a lista só aumenta - nunca diminui. Então, saiba de antemão que os discos que serão apresentados não são classificados e nem tem a pretensão de figurar numa ordem qualquer: lembrei, postei. E para não queimar muito neurônio, nem sua paciência, vou começar com quem não se erra nunca.



Falar dos Beatles é sempre chover no molhado. E, sinceramente, todos os discos são "um disco" a se ouvir. Mas o Abbey Road sempre foi meu preferido. Não sei se a indicação de que ali acabava a banda, não sei se pelas melodias que pareciam ter atingido o ápice, ou talvez ainda pelas letras que agora já tinha a contribuição de todos, não só da dupla Lennon & McCartney. Como artista gráfico, talvez a capa me puxe para o lado profissional: gesto mais imitado entre as bandas (poderia listas umas 20 que já fizeram a travessia em qualquer faixa de segurança para a capa de um álbum), o atravessar da rua é simbólico, uma fase que passou, cada um pro seu lado. Em busca de paz, de legitimidade, de alçar voos mais altos, de andar descalço. É... certamente a capa do disco é marcante - mas e as músicas?

Um show à parte, eu diria.

Não, brincadeira, as músicas são o show principal, a capa é a abertura do espetáculo. O início da bolachinha com Come Together mostra a maturidade que o quarteto alcançou já há alguns discos, e que aparece agora triunfante, segura, uma celebração aos anos de convivência - nem sempre fáceis, principalmente aqui. Embora tenha sido lançado como penúltimo álbum da banda, foi de fato o último a ser gravado, quando as discussões entre os quatro já faziam aniversário. Se isso atrapalhou ou só beatificou o disco, não sei dizer, mas aposto minhas fichas na segunda hipótese. Senão, de que outra maneira poderia se explicar músicas majestosas como Something, uma das mais belas canções de qualquer tempo, obra de Harrison; You never give me your money, pout-pourry criado a partir de canções inacabadas da dupla principal de compositores, onde o pessimismo da letra ditava (de novo) os rumos que a banda tomara; Oh! Darling, uma mistura de sons de clubinho que vai até uma apoteose urgente; I want you (She's so heavy), a canção dois em um de Lennon que figura como influência de estilo musical ao longo dos anos; Maxweel Silver Hammer, que classifico como uma das músicas mais engraçadas que já ouvi - com o ritmo alegre contrapondo a letra de humor negro e The End, que fecha o disco (e a carreira) dos Beatles com a maestria dos jovens lordes da rainha.

Embora cheio de melancolia pelo período da banda em que foi gravado, sobraram espaços para canções mais animadas, cortesia dos "outros dois" cabeludos, George e Ringo. O primeiro já fazia canções tão bem quanto Lennon e McCartney, e isso se mostrou bastante lúcido em sua carreira solo. Aqui, além de Something, há Here comes the sun, uma luz (com o perdão do trocadilho) em meio ao clima denso de boa parte da obra. De Ringo, a segunda composição do baterista para a banda, Octopou's Garden, tem um tom quase infantil - outro ótimo balanço para a perfeição do disco. Mas que além disso brinca com uma letra e vocais subliminarmente sexiest - ou não, depende de sua imaginação.

Da mistura de tudo isso, faz-se um disco eterno. Abbey Road figura em inúmeras listas (olha elas aí de novo), e tem bons e óbvios motivos para isso: é um disco perfeito, de uma banda que, quando sentiram que sua própria perfeição iria acabar, resolveram ir até o telhado, dar um tchau em grande estilo e nos deixar com registros únicos de sua obra. E este disco é o grand finale, bem como ilustra a última faixa, and in the end, the love you take / Is equal to the love you make.

Luciano Seade




The Beatles
Abbey Road

1) Come Together
2) Something
3) Maxwell's Silver Hammer
4) Oh! Darling
5) Octopus's Garden
6) I Want You (She's So Heavy)
7) Here Comes the Sun
8) Because
9) You Never Give Me Your Money
10) Sun King
11) Mean Mr. Mustard e Polythene Pam
12) She Came in Through the Bathroom Window
13) Golden Slumbers e Carry That Weight
14) The End
15) Her Majesty - hidden track
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